Nos teus olhos já mortos
Nos teus olhos já mortos
Encontro um mar gelado
Onde rosas apodrecem à derviva
Sem direcção, sem sentido
Nos teus olhos já mortos
Demónios de mãos em sangue
Cortam a carne madura
Para saber se ainda vives
Nos teus olhos já mortos
Procuro um fio de vida
Para que renasçam as rosas
E juntos possamos morrer novamente.
In Memoriam - Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,
a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)
espera o ardor
do vento
para ser ave,
e cantar.
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Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus